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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Especial Semana da Consciência Negra: "Ser negro é resistir!"


“Ser Negro é resistir. Essa é a palavra que define nossa existência depois de séculos desse sequestro da África para as Américas”. Assim pensa o coordenador mais jovem do Coletivo Casa Preta, Anderson de Sousa, mais conhecido como Don Perna. A instituição é um braço da Rede Mocambos no Pará. Para o jovem militante, no Brasil o racismo é negado. 


Tanto a Casa Preta, quanto a Rede Mocambos, visam buscar parcerias para que de forma colaborativa e coletiva, possam ser reunidos diferentes programas, projetos e ações voltados para o desenvolvimento humano, social, econômico, cultural e ambiental. Preservando sempre o patrimônio histórico-memória das comunidades afrodescendentes.

O Coletivo Casa Preta fica localizado em uma residência no bairro do Canudos, na capital do Pará. É com muita luta que os coordenadores desenvolvem diversos projetos para conseguir patrocínio e assim pagar o aluguel do espaço no qual produtores, músicos, arte-educadores, entre outros, se reúnem com um aglomerado de crianças e jovens, em sua maioria negros e negras, que formam um grupo em movimento que trabalha com diversas áreas envolvendo a tecnologia e a ancestralidade.

Um dos focos da Casa Preta é aliar a tecnologia e a ancestralidade. Por isso, os colaboradores da entidade trabalham com o intuito de fornecer recursos para que as pessoas usem a internet, produzindo resultados com praticidade e consistência. O coletivo é formado por várias pessoas que buscam o respeito, reconhecimento e a disseminação da cultura afro brasileira.


Acompanhe a entrevista com o coordenador do Coletivo Casa Preta, Don Perna, já publicada na Revista PZZ:



Senhorita Matos - Como é ser negro no Brasil em pleno século XXI?

Don Perna -  Ser Negro é resistir. Essa é a palavra que define nossa existência depois de séculos desse sequestro da África para as Américas. Do ponto de vista do combate ao racismo, ser negro é acima de tudo saber de onde veio, como veio e pra onde queres ir. Eu não carrego a escravidão como minha única condição de memória, diferente de uma conduta que tenta 'embranquecer' nossas referências, eu encaro o fato de ser negro como uma busca fundamental por uma identidade étnica que me reconecta com essa África que me foi negada. É um reconexão física e espiritual.
Como deixamos nossa semente original ficar assim??? Como temos uma cultura tão rica e tão transformadora que influenciou e influência as Américas a mais de cinco séculos e ainda temos problemas em se assumir como negro ou negra? Como aprendemos a odiar nossa origem? Na pura calma faço minhas reflexões e vejo tudo isso como um grande plano de dominação. Não me engano, existe sim um plano de ódio traçado contra a raça negra. Meu dever como africano nascido no Brasil e ir por fronte e despertar mais irmãos e irmãs.



Senhorita Matos - Embora a maior parte dos brasileiros nega, o Brasil ainda é um país racista? 

Don Perna - Existiu e existe um plano de supremacia racial, uma acomodação do tipo ‘deixe as coisas como estão, pra quê falar disso hoje em dia, vivemos num país híbrido!’ Híbrido pra quem? Esse plano é engenhoso é estratégico, nega-se a existência do racismo, nega-se a necessidade de uma devida reparação de um erro cometido na história da humanidade. Esse erro não interessa somente a nós negros, interessa sim aos brancos e outras raças e etnias.
Racismo é racismo não é apenas uma questão de negro reclamando dos brancos. Racismo está relacionado ao poder de uma raça sobre a outra. A construção de um país sem racismo não se faz somente com negros, é necessário que os brancos tenham interesse em corrigir e ampliar seus privilégios de raça para contribuir na construção desse novo mundo.
Se existe um país feito de três raças então devemos muito aos negros e indígenas. Ainda hoje, mesmo depois de cinco séculos de sequestro e massacre dessas duas culturas, ainda são os brancos que ocupam os melhores cargos de decisão, referências e imagens nos meios de comunicação.
Se moro nesse país miscigenado, porque sei tanto e pratico tanto a cultura deixada pelos brancos e ironizo, duvido e tenho vergonha das outras duas raças? Infelizmente a televisão, as revistas, as referências que temos de sucesso e inteligência não carregam essa parcela negro-indígena no Brasil. Somos a maioria e não nos vemos além do nosso cotidiano diário. Invejamos, idolatramos as personagens da Tv, não conseguimos valorizar nossa cultura sem o estigmatismo do poder que nos marca com a chibata da falta de conhecimento e auto-estima.



Senhorita Matos - A cultura negra ainda não é valorizada como deveria. O que você acha que deve ser feito para que esse reconhecimento e respeito à cultura afrodescendente ocorra?

Don Perna - Existem as ações afirmativas que já são um começo dessa valorização. Políticas públicas e organizações de movimentos sociais também devem fazer parte desse projeto. Eu acredito em tecnologia e ancestralidade, acredito nessas duas ferramentas de transformação para se chegar nessa valorização da cultura negra. Não acredito que a solução venha e aconteça da noite pra dia. 
Há mais de cinco séculos de resistência contra um sistema que nos impede de coabitar igualmente com outra raças e etnias, coabitar no sentido de ‘empoderamento’ simultâneo de oportunidades, desde a educação, moradia, saúde, trabalho etc. Oportunidades e referências é isso que esta sociedade precisa no momento.


Senhorita Matos - Em relação a mídia brasileira ou norte-americana, o que você acha que deve ser mudado ao representar os negros?

Don Perna - Pra começar, deixemos que nós negros e nós negras nos representemos de fato. Como pode um poder não negro como a mídia geral retratar alguma coisa ou retratar nosso povo sem que o povo opine sobre si mesmo? Quem escreveu nossa história? Quantos negros escreveram nossa história? É o suficiente? Confesso que não espero nenhuma mudança por parte da grande mídia, hoje sou adepto a seguinte regra: "sejamos nós a mídia que precisamos".


Senhorita Matos - A luta pela consciência negra vai ser sempre eterna, ou na sua opinião, haverá um dia em que as pessoas não mais se importarão com a cor e outras características das pessoas?

Don Perna - Um irmão, o falecido Preto Ghoez, maranhense, negro, militante, nordestino e rapper, dizia a seguinte frase: ‘enquanto não houver justiça para os pobres, não vai haver paz para os ricos’.
Esse dia é utópico. Temos muito que caminhar ainda.


Senhorita Matos - Qual é a função do Coletivo Casa Preta na sociedade paraense?

Don Perna - Não só nessa sociedade, mas no mundo. Nossa função é trabalhar nesse despertar, é trabalhar na criação dessas referências. Nossa função, através da cultura negra, é construir esse futuro com equidade. Meu Mestre Lumumba me diz que através dos tambores ele entendeu que trabalha na cura do mundo. Acho que nosso papel é esse também.


Senhorita Matos - Para quê vocês lutam e quais são as maiores dificuldades?

Don Perna – Lutamos, primeiro individualmente e, depois, coletivamente. Temos afinidades ideológicas, somos tribais, carregamos esse legado - o legado da mudança, o legado do pensar e agir diante desse momento que vivemos - e relacionar tudo isso dentro um sistema capitalista não é nossa maior dificuldade.
O problema deixou de ser como sobreviver, o problema é como administrar isso ou aquilo, quem podemos chamar pra ajudar, colaborar... antes eu achava que isso era a maior dificuldade. Achava que a falta da grana era um problema, hoje já não acho mais isso. 
O dinheiro se torna consequência de trabalho, isso é um fato. Porém, não abasta achar isso e pronto, é necessário aprender a viver com dinheiro e viver sem dinheiro, não transformá-lo num deus que todos querem e fazem tudo para tê-lo.
Depois de 17 anos vivendo nesse meio, vejo que a falta de compreensão é maior dificuldade que temos. A falta de compreensão e fé na gente mesmo é o que te impede de realizar sonhos em plena luz do dia, já dizia meu outro mestre, o velho TC.


Senhorita Matos - Você é a favor da criação de cotas para negros nas universidades?

Don Perna – Sou totalmente a favor. O estado nos deve isso. A classe dominante nos deve isso. É necessário aliar o conhecimento acadêmico ao conhecimento da rua na liberação dos negros e negras no Brasil. Quando eu era mais jovem, achava que universidade era coisa de branco, de rico, de play boy. 
Atualmente não. 
Hoje eu estudei, hoje eu tenho conhecimento sobre o assunto e sobre um decreto de 1854 que proibia a admissão de escravos e condicionava o estudo a disponibilidade dos professores. Ou seja, é natural que somos a minoria na universidade e a maioria nas favelas e presídios. 
Tudo isso faz parte do grande plano de exploração de uma raça sobre a outra. Esse crime não será resolvido apenas com as cotas, mas será o começo de uma nova condição educacional, o começo de uma nova referência na sociedade. A sabedoria não poder ser um privilégio, nem tão pouco uma propriedade.

Senhorita Matos -  O que o movimento negro está fazendo para exigir o ensinamento da história afro nas escolas públicas e particulares do Brasil? 

Don Perna - Dialogando, esse é o 1º passo. Organizar os movimentos e exigir essa transformação. Existem grupos no Brasil todo construindo esse dialogo e nosso papel é apoiar e gerar conteúdos.

O Coletivo Casa Preta atua em parceria com outros projetos e coletivos como o Terra Vibra, Cosp Tinta Crew, Traumas Vídeo, Veg Casa, Dudu do Skate, Núcleo de Resistência Periférica (NRP), Crew UBI-Zulu Bambaataa, entre outros. Para saber mais sobre o coletivo acesse o site ou vá até a sede da instituição, situada no endereço Roso Danin, 780, bairro do Canudos. Telefones (91) 3274-1014/ 8107-3715.

  

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